segunda-feira, 8 de julho de 2013

Maestro Lázaro Wenger (in memoriam)

Somente quem teve o privilégio de conviver com essa figura inacreditável, enciclopédia ambulante e que tanta falta faz, sabe do que estou falando. Foi graças a esse cidadão do mundo que hoje posso me dizer cantor e professor de canto. Ele simplesmente foi o responsável pela continuação dos meus estudos, e para quem ficou curioso em saber o motivo, segue esta história que mais parece cena de filme:

Eu comecei tarde no canto e isso cria um problema, porque você tem que aprender rápido, não pode perder tempo se quiser chegar num nível alto. Isso também gera ansiedade, quase uma obsessão (sinceramente não acredito ser possível ir em frente sem ela), uma tensão permanente que leva você a pensar em desistir por várias vezes, visto que resultado rápido no estudo do canto é algo muito relativo.

No meu caso, houve um momento crucial (quando os meses iam passando, passando e o estudo  não rendia ) em que tomei a decisão definitiva de parar de cantar. É aí que entra a figura do nosso ilustre Maestro Lázaro.

Era o dia em que eu fazia um ano de casado. Combinei com a minha mulher de jantarmos num restaurante chamado Las Leñas. Era um momento de comemoração, mas para mim, também triste porque tinha comunicado a ela, sobre a decisão de desistir do canto, pois era difícil demais, eu não estava evoluindo, etc, então havia uma certa melancolia no ar.
Chegamos ao restaurante e fomos para a parte de cima onde havia um piano. Durante o jantar a conversa girava em torno da decisão que eu havia tomado, se era acertada ou não, e a noite seguia em frente. Nisso, entra um senhor de óculos, grandão, com uma pasta na mão, nos cumprimenta, senta-se ao piano e começa a tocar. Nada de mais, até o momento em que ele começou a tocar algumas canções napolitanas que faziam parte do meu repertório. Naquelas alturas a comida já não descia e conforme ele tocava, eu ficava cada vez mais ansioso, e aquilo foi crescendo a ponto de eu nem conseguir me concentrar mais em nada. 
Para finalizar, ele começou a tocar "O Sole mio" e nessas alturas já com o restaurante cheio, não suportei mais e cantei da minha mesa mesmo com toda a força. Todos olharam com aquela cara de "quem é esse maluco?", inclusive o próprio maestro, que em seguida abriu um sorriso e com um sinal me mandou continuar. Tocou então "Torna a Surriento" e eu, do mesmo lugar, cantei. Ele bastante surpreso me chamou para conversar, perguntando de imediato se eu sabia alguma ária de ópera, fiz sinal que sim e então fizemos "Una furtiva lagrima".

No final ele sorrindo me perguntou com quem eu estudava, então desconversei, dizendo que naquela noite havia decidido parar definitivamente com o canto. A reação que ele teve e o que disse foi algo totalmente inesperado para mim, pois seu rosto se avermelhou e realmente irritado me disse algo como: 
- Quem você pensa que é para desistir? 
E também que quem tinha uma voz como a minha não tinha "o direito" de parar.

Eu fiquei meio atônito, sem saber o que pensar e ele então tirou um cartão e disse: 

- Quero você amanhã neste endereço, às 14 horas, que você vai estudar comigo e com o Ivo Lessa, e ai de você se não aparecer!

Aquilo parecia tão estranho e surreal, que acabei comparecendo na hora marcada, começando assim o trabalho árduo de formação da voz. Lá, conquistei as primeiras vitórias, identifiquei as primeiras sensações de se colocar a voz "no lugar", e foi graças a essa bronca que eu não parei mais. 

A cada dificuldade que tive, sempre lembrei dessa situação e em como as coisas se encaixaram para que eu o encontrasse ali, e por isso compartilho com vocês este episódio para que saibam ao menos um pouco, quem foi Lázaro Wenger e como ele foi importante para que eu nunca desistisse do canto.

Obrigado Maestro.

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